04 abril 2011

De contrato a (falsos) recibos verdes

Até Novembro de 2008 tive a sorte de ter tido boas condições de trabalho, nos vários locais por onde passei, ou seja, usufruía de tudo aquilo que qualquer trabalhador deveria usufruir. Coisas simples como contrato de trabalho, direito aos mais variados subsídios, desde o de férias ao de Natal e de doença. Julgava (erradamente) que situações destas eram as mais habituais e comuns no maravilhoso mundo laboral.


Nunca tinha usado recibos verdes “a tempo inteiro”. Usara-os apenas em situações pontuais. Assim, em termos fiscais e sociais, dificilmente entendia o que significava passar um recibo verde em troca de um salário para pagar todas as despesas, incluindo aquelas que os patrões pagavam por mim, como a Segurança Social. De quando em vez, ouvia desabafos sobre ser falso recibo verde. Percebia a tamanha injustiça, mas falava-se pouco e quem denunciava acabava por encolher os ombros. Nessa altura, não compreendia a gravidade da precariedade subjacente. Desconhecia por completo a obrigação de deveres em troca de nenhuns direitos.

Estava efectiva na empresa, mas repentinamente resolveram despedir-me, alegando a crise que deu os primeiros passos a olhos vistos em 2008. Sai com tudo aquilo que tinha direito, estive quase um ano sem arranjar emprego ou trabalho. Finalmente, consegui um “emprego”, cujas condições ficavam aquém das de outrora. Durante cerca de um ano tive um posto fixo -dentro da empresa, usava material da empresa (computador, artigos de escritório, etc.), tinha um horário a cumprir e superior hierárquico. Em vez de receber um recibo de ordenado, entregava um recibo verde para ter o salário no fim do mês. Do total, tinha de fazer os meus próprios descontos para a Segurança Social e para o IRS. Pouco sobrava, como é fácil imaginar!

Constatei, pois, não ter certos direitos. Refiro-me aos subsídios de Natal e de Férias e ao facto de poder tirar férias. Poderia ter férias, de facto, mas o valor de cada dia gozado era subtraído ao ordenado. A juntar a tudo isto, ao contrário do que aconteceu em 2008, não tive direito ao subsídio de desemprego quando me disseram que afinal já não necessitavam de mim. Tive deveres, mas não direitos. Assim é ser um falso recibo verde.

Sofia Filipe

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